O horário é ingrato, mas você sempre pode gravar: domingo, às 7 da manhã, o canal Maxprime exibe “City Hall” (1996), de Harold Becker.
É o tipo de filme adulto que Hollywood produzia aos montes até o meio dos anos 90: sem ambições de mudar o cinema ou ser exibido em cinematecas, mas um produto comercial de excelente qualidade.
“City Hall” é um drama político sobre corrupção e tráfico de influências. Al Pacino faz John Pappas, o carismático prefeito de Nova York. John Cusack faz seu assistente e cão de guarda, Kevin Calhoun.
Numa manhã chuvosa, um policial troca tiros com um bandido numa esquina do Brooklyn, e uma bala perdida mata um menino de seis anos.
O que parecia um acidente acaba por se revelar uma trama complexa, envolvendo um mafioso (Tony Franciosa), um respeitado juiz da Suprema Corte (Martin Landau), um influente político local com ligações mafiosas (Danny Aiello) e uma investigadora (Bridget Fonda).
Além desse elenco absurdo, a história tem um ritmo frenético e diálogos geniais.
O roteiro foi criado a oito mãos por um timaço: Paul Schrader, grande cineasta e roteirista de “Taxi Driver” e “Touro Indomável”; Nicholas Pileggi, que escreveu “Os Bons Companheiros” e “Cassino”; Bo Goldman, vencedor de dois Oscar e roteirista de “Um Estranho no Ninho” e “Shoot the Moon”, e Kenneth Lipper, ex-funcionário da prefeitura de Nova York que ficou famoso pelo best seller “Wall Street”, baseado no roteiro de Oliver Stone.
O diretor, Harold Becker, é daqueles nomes que nunca são mencionados em listas de melhores cineastas, mas que têm uma carreira sólida em Hollywood.
Lembro pelo menos quatro ótimos filmes do sujeito: “City Hall”, “The Onion Field” (1979), adaptado do romance de Joseph Wambaugh, um dos melhores livros policiais que já li; “The Boost” (1988), um drama pesadíssimo com James Woods e Sean Young, e “Sea of Love”, o policial “noir” com Pacino e a deusa Ellen Barkin.
Becker tem 85 anos e não filma desde 2001. A exemplo de Paul Schrader, Michael Mann, William Friedkin e outros artesãos do cinema comercial hollywoodiano, deve estar cansado de pedir dinheiro a produtores que cresceram vendo “Friends” e acham que o futuro do cinema é adaptar videogames em 3D.
P.S.: Sugiro ler o blog de Mário Magalhães no UOL (aqui), em que ele calcula a fortuna que ganhou por sua aclamada biografia de Marighella. Você está certo, Djavan, todo mundo quer explorar você e outros os pobres coitados da MPB…
Estreia amanhã nos Estados Unidos um filme que está sendo considerado um marco do “cinema de guerrilha”: “Escape from Tomorrow”, história de terror psicológico totalmente rodada sem autorização dentro de parques da Disney (veja aquio site oficial).
Dirigido pelo estreante Randy Moore, “Escape from Tomorrow” conta a história de um pai de família que começa a ter visões infernais durante uma visita com os filhos à Disney.
O filme foi exibido em janeiro no festival de Sundance, nos Estados Unidos. Alguns críticos o compararam aos trabalhos de David Lynch e David Cronenberg.
Para realizar a filmagem, a equipe inteira se fingiu de turistas. Atores liam os roteiros em IPhones e se comunicavam com o diretor por mensagens de textos. Microfones foram pregados às roupas dos atores para captar os diálogos.
Para não chamar a atenção dos seguranças do parque, os cinegrafistas usaram a câmera Canon 5D, uma máquina pequena e de ótima qualidade de imagem, que parece mais uma câmera de turista.
O diretor Randy Moore conseguiu realizar todo o trabalho de filmagem e edição sem que a Disney soubesse. Moore estava tão preocupado com uma possível retaliação da empresa que montou o filme na Coréia do Sul.
“Escape from Tomorrow” estreia amanhã em vários cinemas de arte nos Estados Unidos. Não se sabe se a Disney tentará impedir a comercialização do filme,ou se vai simplesmente ignorá-lo para não atrair atenção.
Estou muito curioso para assistir ao filme. Mas gostaria mesmo era de ver um documentário sobre o processo de filmagem e a forma como a equipe conseguiu trabalhar sem ser desmascarada.
Será “Escape from Tomorrow” o início de um gênero subversivo de cinema, que usa a infra-estrutura de grandes corporações como cenário para histórias que criticam as próprias corporações?
Será que veremos algum filme rodado dentro do Pentágono? Ou do Congresso Nacional, em Brasília? Ou na sede da Fifa? Tomara.
P.S.: Por favor, leiam esse texto de Alceu Valença:
Pare, repare, respire, reveja, revise sua direção… Eu compus essa letra para o disco Maracatus, Batuques e Ladeiras que lancei em 1994. Desde ontem, um assunto tomou conta dos meus pensamentos. No fim da manhã, recebi um telefonema de uma jornalista que solicitava minha posição acerca da polêmica que vem acontecendo em torno da autorização ou não de biografias. Como já estava na hora de buscar meu filho no colégio, pedi para ela me ligar à tarde. Dali em diante, fiquei remoendo o assunto e aguardando seu novo contato, o que não veio a acontecer.
A questão não é simples. Pesei costumes e comportamentos. Refleti sobre o tempo e a história. Considerei valores e conceitos. Cheguei a uma conclusão que envolve 4 pontos essenciais:
Ética. O assunto até parece démodé, mas deveria estar intrinsecamente no centro de diversas situações que vivemos hoje em dia. Inclusive, neste caso. Óbvio que o conceito é subjetivo e, até, utópico. No entanto, sem a sua prática, o desequilíbrio é evidente. Fala-se muito em biografias oportunistas, difamatórias, mas acredito que a grande maioria dos nossos autores estão bem distantes desse tipo de comportamento. Arrisco em dizer que cercea-los seria uma equivocada tentativa de tapar, calar, esconder e camuflar a história no nosso tempo e espaço. Imaginem a necessidade de uma nova Comissão da Verdade daqui a uns 20 anos…
Assim entramos em outro conceito, igualmente amplo, delicado e precioso: liberdade de expressão. Aliás, tão grandioso que deveria estar na frente de qualquer questão. O que é pior: a mordaça genérica ou a suposta difamação?
Eficiência e celeridade processual são princípios que devemos reivindicar para garantia dos nossos direitos. Evitar a prática de livros ofensivos e meramente oportunistas através do Poder Judiciário é uma saída muito mais eficaz e coerente com os fundamentos democráticos.
Definitivamente, a questão não é financeira. A ideia de royalties para os biografados ou herdeiros me parece imoral. Falem mal, mas me paguem…(?) é essa a premissa??? Nem tudo pode se resumir ao vil metal!
Com todo o respeito pelas opiniões contrárias, este é o meu posicionamento. Viva a democracia!
Poucas coisas são tão legais quanto mostrar para os filhos pequenos músicas que você gosta.
Nossa filha adora grupos infantis como Palavra Cantada, mas também gosta de Secos e Molhados, Mutantes, Raul Seixas, Novos Baianos e, especialmente, Guilherme Arantes.
A paixão por Guilherme começou quando ela nos perguntou como nascia a água dos rios. Nós explicamos e mostramos para ela a canção “Planeta Água”. Ela gostou tanto que decorou a letra. Tivemos de explicar também o significado de todas as palavras que ela não conhecia: “grotão”, “igarapé”, “ribeirão”, “sertão”…
Alguns dias depois, vimos Guilherme na TV sendo entrevistado por Tony Belotto no programa “Afinando a Língua”, do canal Futura. Ela adorou, e hoje não passa um dia sem ouvir um CD com os maiores sucessos de Guilherme.
Uma de suas músicas prediletas é “Fã Número Um”. A canção fala da paixão de uma fã por seu ídolo e é narrada em primeira pessoa, do ponto de vista da fã: “Você nem desconfia e o que eu não daria / Por seu amor / Onde você anda / Nem sei como chamo a sua atenção”.
Mas algumas letras são complicadas para uma criança pequena. Dia desses, estávamos ouvindo o CD no carro, quando tocou “Fã Número Um”. No refrão, ela cantou, toda empolgada: “Toda de som / Luz da ribalta / Te quero no prato! / Prato!”
Caímos na gargalhada: “Como assim? Você quer o Guilherme no prato?”
“Mas não é prato?”
“Não, é PALCO!”
Isso só tornou a canção ainda mais marcante. Agora, sempre que o refrão vai chegando, ela começa a rir antecipadamente, esperando para cantar que deseja provar o ídolo no prato.
P.S.: Em 2010, fiz um texto sobre letras de músicas que são cantadas de forma equivocada. Leitores contaram casos hilariantes. Uma menina achava que o refrão de “What a Feeling”, tema do filme “Flashdance”, dizia: “Glória Piiiiires!”. Leia aqui, que vale a pena.
P.S. 2: A “Ilustrada” publicou hoje uma carta aberta do norte-americano Benjamin Moser, autor de uma elogiada biografia de Clarice Lispector, a Caetano Veloso, em que critica o compositor por apoiar a proibição de biografias não autorizadas. (leia aqui).
A música pop dos anos 80 é sempre lembrada como uma caricatura: cabelos engraçados, canções ruins e roupas esquisitas de cores berrantes.
Mas duas autobiografias lançadas recentemente mostram um lado mais sombrio do pop oitentista. A primeira é “Le Freak”, de Nile Rodgers, livro espetacular que já citei no blog (leia aqui). A segunda é “In The Pleasure Groove – Love, Death & Duran Duran”, de John Taylor.
Filho único e mimado de uma família classe média de Birmingham, o baixista fundou o Duran Duran em 1978/79, inspirado pela elegância do Roxy Music e pelos grooves do Chic.
Desde o início, a banda sabia o caminho do sucesso. Em vez de penar por anos em clubinhos vagabundos, investiu em roupas caras, criou um visual moderno e um som limpo e dançante, na contramão do punk. Um ano depois do primeiro show, já tinha muitos fãs e um contrato com a EMI.
O Duran Duran foi dos primeiros grupos a perceber o potencial da MTV – inaugurada em 1981 – e tratou de investir em videoclipes caros e sofisticados para a época, muitos dirigidos pelo australiano Russell Mulcahy, que depois ficaria famoso pelo filme “Highlander”.
“Videoclipes, para nós, eram tão importantes quanto o estéreo era para o Pink Floyd”, disse o tecladista Nick Rhodes.
O grupo surgiu numa época de mudanças na indústria musical. Em 1979, as gravadoras sofriam com uma grande queda de vendas, causada pela decadência da discoteca e pela segunda crise do petróleo, que encareceu a matéria-prima para fabricação de vinis.
Gravadoras começaram a enxugar seus “casts”, mantendo só artistas com grande potencial de vendas. Foi o início da “Era Michael Jackson” – contratos milionários, investimentos maciços em publicidade e orçamentos ilimitados para videoclipes, discos e turnês. Foi aí que Madonna, Elton John, Bruce Springsteen, Prince, George Michael e outros viraram superastros. Além do Duran Duran, claro.
Foi também uma época de drogas em excesso – especialmente cocaína – e de fãs em histeria beatlemaníaca, amplificada pelo sucesso da MTV e pela superexposição dos astros. O próprio Taylor foi um dos maiores ídolos “teen” dos anos 80. “Logo descobri uma coisa incrível: meninas de todos os idiomas adoravam tomar drogas comigo!”, escreve o músico.
Taylor vivia uma espiral ininterrupta de cocaína, álcool e festas. Toda manhã, o “tour manager” do Duran Duran mandava colocar debaixo da porta do baixista um aviso com informações sobre o que ocorria no mundo real: “HOJE É SEXTA-FEIRA. VOCÊ ESTÁ EM CHICAGO. HOJE À NOITE TEM SHOW. PASSAGEM DE SOM ÀS 4 DA TARDE.”
O livro é muito engraçado. Não sei se foi o próprio Taylor que escreveu ou se teve ajuda de alguém, mas algumas passagens são hilariantes. Numa das melhores, Taylor descreve uma entrevista para a TV em que chegou ao estúdio chapado depois de uma noite farreando com Freddie Mercury e conseguiu insultar toda a população de Birmingham. Para piorar, ainda levou um pito de Bryan Adams no camarim: “John, tem certeza que você está bem?”
Em outro trecho, o baixista dá uma espinafrada em Sting, narrando um show do Police em 1978, abrindo para o Heartbreakers, grupo de Johnny Thunders, ídolo de Taylor.
Sting: Daqui a pouco teremos aqui no palco o Heartbreakers!
Taylor (na platéia): Yeah!!
Sting: Eles não sabem tocar, vocês sabem, né?
Taylor: Vai se f…, seu babaca!
Sting: É verdade. Eles são caras legais, mas não tocam p… nenhuma!
Mesmo que você não seja fã do Duran Duran, vale a pena ler o livro para entender as engrenagens que moveram o pop dos anos 80, época em que a indústria da música fincou os pés, definitivamente, no “material world”.
Tive de ler a reportagem da “Folha” duas vezes para me certificar de que não estava delirando: Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento e Erasmo Carlos se uniram a Roberto Carlos na campanha para exigir autorização prévia de biografados (leia aqui).
De Roberto Carlos não se podia esperar outra coisa. Afinal, passou a carreira toda sem dar um pio contra a ditadura e viveu os últimos 50 anos como um verdadeiro monarca, decidindo tudo que podia ou não ser dito sobre ele (não é à toa que é chamado de “Rei”, enquanto Xuxa, outra figura pública que ainda acredita viver na Monarquia, é a “Rainha”) .
Mas Chico Buarque? Um dos compositores mais censurados do país? Gil e Caetano, exilados pelos militares? Gil, o ministro do Creative Commons? Absolutamente surreal.
Na coluna de Ancelmo Gois no jornal “O Globo” de sexta, Djavan justificou assim sua decisão:
“A liberdade de expressão, sob qualquer circunstância, precisa ser preservada. Ponto. No entanto, sobre tais biografias, do modo como é hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma injustiça, à medida em que privilegia o mercado em detrimento do indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação. Nos países desenvolvidos, você pode abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença: nós não somos um país desenvolvido.
Brilhante. Quer dizer que, enquanto não formos um “país desenvolvido”, o melhor é recorrer à censura típica das repúblicas das bananas?
O parágrafo de Djavan é tão confuso quanto algumas de suas letras. Ele começa dizendo que é necessário preservar a liberdade de expressão “sob qualquer circunstância”, para logo depois justificar a censura sobre “tais biografias”.
Que biografias seriam essas? As que Djavan e amigos não aprovam?
Depois, o compositor diz que editores e biógrafos ganham “fortunas”. Não sei em que país Djavan vive. Onde eu vivo, se um autor vende dez mil cópias, sai dando cambalhota de felicidade (o escritor ganha, em média, 10% do preço de capa, então faça as contas e verá que escrever no Brasil, com raras exceções, é coisa de maluco ou diletante).
Vivo num país onde o Luis Fernando Veríssimo diz que não sobrevive de literatura. O Veríssimo.
E não adianta Djavan e turma dizerem que não se trata de censura. Claro que é. Só é disfarçada de preocupação de mercado.
Em setembro, durante a Bienal do livro, Ruy Castro leu um manifesto, assinado por 47 nomes, incluindo o historiador Bóris Fausto, o escritor Cristovao Tezza, o poeta Ferreira Gullar, o cineasta Nelson Pereira dos Santos e o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, contra a suspensão da tramitação do projeto de lei que libera a publicação de biografias sem autorização dos retratados (leia aqui).
Um dos trechos do manifesto diz:
“A dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito, uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade”.
Ninguém é a favor de biografias mentirosas. Um autor que publica uma calúnia ou informação falsa deve ser punido. Mas também ninguém pode ser a favor de um mercado de livros “chapa branca”, como os ícones da MPB querem criar.
P.S.: Publiquei esse texto sábado, e o índice de leitura do blog cai muito durante o fim de semana. Portanto, esse texto ficará no ar durante a segunda-feira.
Não tenho nenhum interesse por carros. Zero. Acho que o mundo seria um lugar melhor se cada trinta automóveis fossem substituídos por um ônibus.
Também acho Ron Howard um dos piores diretores de cinema dos últimos 30 anos. Certamente o pior, na relação ruindade/prestígio.
Um filme sobre corridas de carro dirigido por Ron Howard, portanto, deveria ser o programa de índio do século.
Mas até que “Rush – No Limite da Emoção” surpreendeu. Continuo abominando qualquer coisa relativa a carros e a Ron Howard, mas me diverti com o filme.
Para quem não sabe, “Rush” conta a história da rivalidade entre o austríaco Niki Lauda e o inglês James Hunt. Em 1976, os dois protagonizaram um dos duelos mais acirrados da história da Fórmula 1, decidido na última prova, no Japão (na verdade, o duelo só foi tão acirrado porque Lauda havia sofrido um pavoroso acidente e ficara de fora por várias corridas).
Lauda era um “nerd” perfeccionista que não mexia um dedo sem analisar minuciosamente as conseqüências. Hunt era um beberrão mulherengo que agia por impulso. Se acreditarmos nos tablóides britânicos, Hunt dormiu com cinco mil mulheres e levou para a cama nada menos de 33 comissárias de bordo da British Airways nos dias antes da prova final de 1976. Era um rockstar das pistas.
Segundo especialistas em Fórmula 1, “Rush” tomou algumas liberdades poéticas: Lauda e Hunt não eram tão inimigos assim – chegaram a morar juntos uma época – e algumas sequências do filme foram “adaptadas” para realçar o drama e a rivalidade.
De qualquer forma, o filme fala de uma era em que a Fórmula 1 ainda trazia personagens interessantes. A exemplo do boxe, que sempre teve lutadores carismáticos, mas que nos últimos anos tem sofrido com a falta de ídolos, a Fórmula 1 parece passar por uma crise de personalidade.
Voltando ao filme: “Rush” é mais um exemplo do cinemão careta de Ron Howard: música agitada nas partes agitadas, música melosa nas –muitas – cenas melosas, roteiro feito para ser compreendido por crianças de cinco anos, diálogos obtusos que não deixam margem a interpretação (“James, você é um louco!”; “Niki, você é um chato!”). Quando um corredor aparece pensando no outro, Howard dá um close na cara do pensativo e superimpõe imagens do rival, exatamente como novelas de época da Globo.
Há uma cena que merecia ser estudada em escolas de cinema, para ensinar aos alunos os perigos da pieguice: a que mostra Lauda no hospital, se recuperando do acidente, com um tubo de meio metro enfiado na garganta para limpar os pulmões, enquanto chora vendo James Hunt ganhar uma corrida na TV. Sorvete na testa é pouco.
Mas nem Ron Howard consegue estragar personagens tão bons quanto Niki Lauda e James Hunt. Agora, imagine esse filme na mão de Michael Mann…
P.S.: Inspirados pelo texto de ontem sobre cardápios esdrúxulos, alguns leitores enviaram fotos e descrições de seus menus preferidos. Lucas Patury mandou fotos incríveis do cardápio de um famoso “Beach Resort” nordestino. Confira…
Semana passada, fiz uma coluna no caderno “Comida”, da “Folha”, sobre cardápios bizarros (leia aqui).
Um casal de amigos havia acabado de voltar do Japão e mandou fotos de menus com traduções esdrúxulas para inglês (aliás, esqueci mencionar na coluna o melhor cardápio de todos, que anuncia um dia com mais de 24 horas, veja só):
Um leitor da “Folha”, que assina “Viva Zapata”, gostou da coluna e indicou um site que eu não conhecia, o engrish.com.
Maldito Zapata: agora não consigo fazer mais nada a não ser navegar nesse site. É viciante. Veja alguns dos destaques…
Essa sopa tem um odor muito particular…
E que tal um refrigerante que garante a morte imediata do consumidor?
Ou esse elixir que tudo cura?
As crianças vão adorar esse filmão…
E aqui, os bebês têm um quarto feito só para eles…
Que tal relaxar ouvindo o CD romântico “Amor e Gonorréia”?
E meu preferido, o chá com o melhor slogan do mundo…
Sábado, 26 de setembro: Goiás e Fluminense jogavam no Serra Dourada.
O Goiás deu a saída. A bola chegou ao lateral-esquerdo William Matheus, que tentou fazer um lançamento e sentiu uma fisgada na perna. Aos 20 segundos de jogo.
William Matheus continuou na partida – marcou até um gol – mas, no segundo tempo, não resistiu à dor e pediu para ser substituído.
Três dias antes, Ronaldinho Gaúcho, craque do Atlético Mineiro, sofreu a pior contusão da carreira e periga desfalcar o time no Mundial em dezembro.
Ontem foi a vez de outro jogador do Galo, Richarlyson, que rompeu o ligamento do joelho e pode ficar oito meses sem jogar.
Os departamentos médicos de todos os clubes brasileiros estão lotados.
Meu time, o Fluminense, vai ficar o Brasileirão todo sem o atacante Fred. Também perdemos o volante Jean por várias partidas.
Tenho certeza que o seu time, seja ele qual for, também vem sofrendo com ausências de jogadores.
Nessas horas, a tendência do torcedor é culpar os preparadores físicos ou os gramados dos estádios brasileiros.
Mas acredito que a resposta esteja numa pesquisa feita por Luís Filipe Chateaubriand, Mestre em Administração pela FGV, e divulgada no blog de Juca Kfouri (leia aqui).
A pesquisa mostra que times brasileiros disputam, em média, 17% a 25% mais jogos que clubes europeus durante uma temporada.
E nem vamos falar da qualidade dos gramados e das distâncias das viagens. Ou alguém quer comparar a duração dos vôos dentro do Brasil e dentro da Espanha?
O calendário do futebol brasileiro é uma barbaridade. A CBF está se lixando para os jogadores e para os torcedores. O resultado são jogos lentos, sem qualidade, com uma evidente queda de ritmo no segundo tempo e uma quantidade imensa de contusões.
E o que faz a CBF? Nada. Nem respeitar datas da Fifa e interromper o Brasileirão essa entidade tacanha consegue. Nos próximos dias, os clubes ficarão sem seus principais jogadores para que o escrete canarinho possa treinar contra potências do futebol como Coréia do Sul e Zâmbia. É brincadeira.
Virou rotina vermos jogadores desabarem no gramado ao fim das partidas. Qualquer dia desses, outro atleta morre em campo, e o presidente da CBF vai aparecer com cara de choro na TV, entregando uma coroa de flores pra viúva.
Ontem vi a entrevista de Alex, do Coritiba, no programa “Bola da Vez”, da ESPN. Se você não viu, sugiro que procure uma reprise. Alex é um dos líderes do movimento “Bom Senso F.C.”, que visa, entre outras coisas, mudar o calendário do futebol brasileiro. Espero que eles tenham sucesso. Não agüento mais ver jogo ruim.
Sábado, meu amigo Álvaro Pereira Jr., em sua coluna na “Folha”, revelou a história por trás das homenagens que Bruce Springsteen fez a Raul Seixas (leia aqui).
Álvaro havia me contado o caso na terça, 17 de setembro, um dia antes do show de Bruce em São Paulo e cinco antes da apresentação do cantor no Rock in Rio.
Na ocasião, concordei que “Sociedade Alternativa” seria uma ótima opção de “cover” para Bruce, e dei minha sugestão: “Asa Branca”. Achei que Bruce e a E Street Band fariam uma versão matadora do clássico de Gonzagão e Humberto Teixeira.
Na quarta, dia 18, Bruce arrepiou quem foi ao Espaço das Américas com uma versão soul de “Sociedade Alternativa”.
No dia seguinte, Álvaro me disse que estava pensando em contar a história na “Folha”. Mas como a coluna dele é quinzenal e a seguinte só seria publicada no sábado, dia 28 – uma semana depois do show de Bruce no Rock in Rio – ofereci o espaço aqui do blog. Pensei: se Bruce cantar “Sociedade Alternativa” no Rock in Rio, todo mundo vai escrever sobre o fato, e não podemos levar um “furo”.
Veio o show do Rio e Bruce repetiu a homenagem. Para nossa surpresa, ninguém se preocupou em tentar descobrir por que Bruce Springsteen havia cantado Raul. Ninguém.
E olha que Bruce ficou dando sopa no Rio: foi à praia duas vezes, tomou banho de mar, almoçou em churrascarias, conversou com fãs e até tocou violão no calçadão de Copacabana.
Durante esse tempo todo, ninguém chegou perto dele e fez a pergunta óbvia: “Bruce, como você conheceu Raul Seixas?”
Porque isso não é pouca coisa. Um dos maiores nomes do rock homenagear o maior nome do rock brasileiro é, sim, uma grande história. Tanto que Paulo Coelho, co-autor da música, fez uma coisa raríssima: publicou comentários em um blog, falando da emoção que sentiu ao saber do tributo e contando detalhes da composição da música. Por sorte, ele escolheu fazer isso aqui no “Confraria de Tolos” (leia).
O caso só me deixou ainda mais decepcionado com o estado do jornalismo musical brasileiro. O que está acontecendo? Não temos mais repórteres de música?
Quando o Google substitui a rua como fonte de informação, é porque tem algo muito errado com nossa imprensa musical.
Hoje, todo mundo sabe a cor da meia que Bruce usou quando gravou a demo de “Born to Run” – contanto que isso tenha sido publicado em algum blog obscuro. Mas quando é preciso ir à rua e apurar, bate aquela preguiça…
Nossa cobertura musical está assim: opinião demais e jornalismo de menos.
Claro que escrever críticas de shows é uma função importante do jornalista. Mas não é a única.
Eu não ia ao Rock in Rio desde 2001, mas fui a essa edição e fiquei espantado com a sala de imprensa, que mais parecia um hotel. Tinha bufê, geladeiras lotadas de guloseimas, funcionários prestativos trazendo macarrão para jornalistas e até – acreditem– um massagista full time, para aliviar as lombares cansadinhas dos repórteres.
Havia também um escritório da assessoria de imprensa oficial do evento, onde qualquer um podia pegar updates sobre os BBBs e pseudocelebridades que estavam na área VIP. Tudo para “facilitar” nossa cobertura.
A verdade é que esses grandes eventos se esforçam cada vez mais em controlar a cobertura e garantir matérias positivas (um exemplo: o Rock in Rio ofereceu uma entrevista com o Metallica, contanto que o assunto fosse só o recente filme da banda).
Isso faz parte de uma tendência mundial, que cresceu nos últimos 15 ou 20 anos, de ver a imprensa como parte da engrenagem de comunicação das corporações de entretenimento, e não como uma potência autônoma e independente.
É preciso combater essa visão. E a única maneira de fazer isso é ignorar a cobertura fácil e conveniente empurrada pelos eventos e voltar às ruas. Afinal, rapaziada, sol faz bem.
Dia desses, escrevi um texto para a revista “São Paulo”, da “Folha” sobre o cineasta, ator e produtor Carlo Mossy, responsável por algumas das pornochanchadas mais populares do cinema brasileiro, como “Giselle” e “Como É Boa Nossa Empregada”.
Mossy tem uma história curiosa: no meio dos anos 60, era um rato de praia e vivia em Copacabana jogando frescobol. Um dia, viu um homem se afogando, pulou na água e salvou o sujeito. Era o egípcio Fernand Legros (1931-1983), figurinha conhecida do jet set europeu. Mossy e Legros começaram um romance, e o brasileiro acabou viajando à Europa com ele.
Saca o naipe do Legros…
O que Mossy não sabia – ou diz que não sabia – era que Legros estava sendo procurado em todo o mundo por vender obras de arte falsas. Legros e o parceiro, Réal Lassard, haviam inundado o mercado de arte europeu e norte-americano com telas falsas de Picasso, Renoir, Matisse, Dufy, Modigliani, Braque, van Dongen e outros, pintadas pelo maior falsário que o mundo das artes já conheceu, o húngaro Elmyr de Hory (1905-1976).
Ano passado, saiu em e-book um livro há muito fora de catálogo: “Fake – The Story of Elmyr de Hory”, de Clifford Irving. Se você lê em inglês, recomendo demais. É curtinho – 256 páginas – custa cinco dólares, e é sensacional (o livro não cita o nome de Mossy, apenas menciona “um secretário brasileiro”, mas diz que Legros esteve várias vezes no Brasil e que mantinha um “harém” de jovens lindos em seu apartamento de luxo em Paris).
A vida de Elmyr de Hory daria um belo filme. Aliás, deu: “F For Fake” (1974), o último longa de Orson Welles, outro gênio que curtia uma mentira criativa (em 1938, Welles fez um programa de rádio simulando um noticiário que descrevia uma invasão marciana na Terra – e muita gente acreditou).
Nascido em uma família húngara riquíssima, Elmy de Hory era um playboy homossexual e vivia em festas no high society europeu. Perdeu tudo durante a Segunda Guerra e acabou preso em um campo de concentração nazista. Depois da guerra mudou-se para Paris, sem um centavo no bolso.
Era um pintor medíocre, mas tinha uma habilidade impressionante para imitar outros artistas. Nos anos 40, começou a vender Picassos falsos. Passou uma temporada no Brasil, onde, segundo o livro, vendeu alguns quadros – falsos, claro – e pintou retratos de Osvaldo Aranha e do general Castelo Branco.
De Hory foi ao Texas e vendeu pilhas de obras falsas para novos-ricos do petróleo (um magnata comprou 56!). Só foi desmascarado uma vez, por um dono de galeria que o expulsou a pontapés. Durante mais de 20 anos, o falsário enganou centenas de especialistas, que atestavam a autenticidade das obras. Calcula-se que ele tenha pintado mais de mil quadros falsos.
Nos anos 60, de Hoty mudou-se para a Ilha de Ibiza, na Espanha, e começou a parceria com Fernand Legros e Réal Lassard, dois gênios do trambique.
Lassard era tão esperto que convenceu o pintor holandês Kees van Dongen (1877-1968), então quase nonagenário, a assinar atestados de autenticação de suas próprias obras. Só que os quadros eram falsos. O pintor simplesmente não se lembrava de ter pintado as obras, mas foi convencido pela lábia de Lassard.
A parceria dos três poderia ter durado muitos anos, mas as brigas explosivas do casal Legros e Lassard puseram tudo a perder. Depois que Lassard tentou dar um golpe em Legros, este o denunciou à polícia, que não demorou a descobrir as picaretagens.
O livro sobre de Hory saiu em 1969 e foi um grande sucesso. Dois anos depois, o autor, o jornalista norte-americano Clifford Irving, anunciou que havia terminado uma biografia – na verdade, uma autobiografia – ainda mais espetacular: a do excêntrico bilionário Howard Hughes (1905-1976).
Hughes era um dos homens mais ricos e misteriosos do mundo. Herdeiro de uma poderosa família do ramo de petróleo, foi cineasta e um dos aviadores mais importantes de todos os tempos (Scorsese fez um filme bem comportado sobre o sujeito, “O Aviador”).
Nos anos 60, Hughes havia sumido de circulação. Sofria de TOC e incontáveis fobias. Tinha medo de germes. Virou um recluso. Morou em uma série de hotéis, cercado por uma trupe de ajudantes. Boatos diziam que ele havia desistido de tomar banho, cortar o cabelo e fazer as unhas.
Na série de livros “Underground USA”, o autor James Ellroy descreve Hughes como um racista e pervertido sexual, que acreditava que o único sangue “puro” era o de mórmons e fazia transfusões diárias de sangue, pagando vários mórmons para serem doadores (quando Ellroy esteve no Brasil, perguntei o que havia achado do filme de “Scorsese”: “Você está falando de ‘The Gayviator’? Botar Di Caprio pra fazer Hughes foi a coisa mais nauseabunda que já vi!”).
Quando Irving anunciou que havia convencido Hughes a publicar sua autobiografia, foi uma surpresa geral. Para provar, Irving mostrou cartas escritas pelo próprio Hughes, autorizando o livro. As cartas foram autenticadas por especialistas em caligrafia. Irving recebeu um adiantamento de 750 mil dólares da editora McGrayw Hill – muito dinheiro para a época – e o lançamento do livro foi marcado para março de 1972.
Em janeiro de 1972, no entanto, veio a bomba: quebrando um silêncio de muitos anos, Howard Hughes deu uma entrevista coletiva por telefone. O livro de Clifford Irving era uma farsa. O jornalista havia falsificado as supostas cartas de Hughes. Irving foi preso e passou 17 meses na cadeia.
Em 2005, foi lançado o filme “O Vigarista do Ano”, sobre a farsa de Clifford Irving. Richard Gere interpreta o jornalista. Se você não viu, recomendo.
Clifford Irving está vivinho da silva. Tem 83 anos. É um farsante talentoso que ficou famoso com dois livros, um sobre um pintor igualmente farsante e talentoso e outro, uma biografia falsa de uma celebridade reclusa.
Fica a pergunta: quanto da biografia de Elmyr de Hory é verdadeira? Ou alguém acredita que dois mentirosos juntos são capazes de só dizer a verdade?
No fim do livro de Irving, ele levanta a hipótese de Elmyr de Hory ter inventado a própria morte para escapar da prisão, o que tornaria sua história ainda mais incrível.